quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Graffiti especial


Quase um mês de oficina nova. Desta vez, para crianças especiais. Mas afinal, que são crianças especiais? Todas não são? Bom, meus alunos tem síndrome de down, autismo e tem até um cadeirante, e eu garanto a você que eles são mais do que especiais, mas rótulo não é legal pra ninguém. Eu não gostaria que me conhecessem apenas como a “convulsivante” do local. Eles são diferentes, mas quem é comum?
O grande lance é que pra lidar com a tchurminha precisamos sair da nossa zona de conforto, precisamos ir até eles, entrar no mundo deles. E nem sempre estamos a fim de dar a aula para o aluno, por incrível que pareça. Queremos o domínio da sala de aula, onde fazemos as regras e temos total controle sobre tudo e todos. Mas com eles não é assim. Pra entrar no mundo do autista, você tem que gostar do que ele gosta, fazer oque ele faz e esta é a senha de entrada. A senha para os que tem síndrome de down é chronos: você precisa virar adolescente também. Para o cadeirante, a senha é entender a cadeira de rodas como parte dele, não como um objeto. Como seria legal se os meus professores tivessem viajado comigo: no tempo, no espaço, no coração.

Hoje eu parto do seguinte princípio: um aluno que pode decorar quem são os X-Men, seus poderes, identidade secretas, biografias, amigos e inimigos podem aprender qualquer coisa. Basta tornar o ensino atraente. Todas as aulas deveriam ser, mas alguém decidiu que o ensino tinha que ser um inferno para os alunos, o calvário da infância e adolescência, e conseguiu muitos adeptos. Minha irmã está fazendo supletivo, apanhando da matemática, como eu apanhei um dia. Mas na minha escola, não era nota, era conceito. Você não podia apenas tirar um zero humilhante numa matéria que você não conseguia entender nada: você tinha conceito. “I”, de insuficiente para os professores, ou “ignorante”, “idiota”, “imbecil”, entre os colegas de classe. Eu a consolei: “olha, Einstein também era péssimo em matemática”. Mas ela ainda tinha um problema pela frente, aliás, como se tratava de matemática, ela tinha vários problemas pela frente. Não sei se fiz bem. Mas minha irmã já tem idade o suficiente pra saber que não vão ensinar a teoria das supercordas na aula de física, que ela nunca vai decorar a tabela periódica e que há regras para interpretação de texto que somente são ensinadas quando você estuda para concurso público, e não na escola.

Ah, não dá pra esconder a bronca da matemática. Eu tive bons professores nesta matéria, aliás, professores impressionantemente fantásticos,do tipo que marca uma aula só com você até que você enteeda, mas não conseguia aprender. Como eu ia aprender uma matéria onde você não pode se distrair? Eu, artista? Eu sabia tudo sobre os Beatles e os Rolling Stones, e conhecia B.B.King aos nove anos de idade, e também Gal Costa, Chico e Caetano. Sabia quem era Portinari e Freud, mas isso não me ajudava com a matemática. Os problemas começaram com o MDC. Daí por diante, foi uma via-crúcis. E tudo oque eu uso hoje são as operações básicas, com a calculadora, que tem no celular. Uso muito, pra fazer os cálculos dos metros da madeira para os quadros, a conversão de medidas, preciso saber o preço da lata de tinta, valor comparado a quantidade. E só.

Bem, estou feliz com a aula de ontem, os alunos me surpreenderam. Começamos um mural com letras, oque era importante, porque assim, sem querer, eles vão aprendendo as letras. Alguns ainda não articulam palavras, e outros ainda tem dificuldades com o aprendizado. Mas como é uma “tchurminha’ interessante. Eles estavam com o tradicional medo de se sujar, mesmo eu tendo avisado que eles se sujariam muito, e mesmo usando uma roupa mais velha para este fim, eles estavam preocupados. Estratégia? ”Tia Lya, você ta fazendo oque? Olha, gente, tia Lya tá com a mão dentro da lata de tinta”...”tia, você se sujou...”e gargalhadas rolaram na liberdade do pôr do sol fresquinho em Piratininga.

Lya Alves
http://www.lyaalves.com/
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