sábado, 2 de maio de 2009

Reflexões sobre “Hermes e Dionísio” , de Praxíteles

Selma de Assis Moura

“Graças à Excelência de seu talento, Praxíteles não é desconhecido de homem nenhum, não importa quão inculto”
(Marcus Terentius Varro, séc I a.C.)




O Museu do Louvre exibiu, até meados de junho de 2007, uma exposição sobre Praxíteles que incluía “Hermes e Dionísio”, escultura aceita como original de Praxíteles, entre diversas cópias romanas de esculturas como a “Afrodite de Arles” e “A Afrodite de Cnidus”. Essas estátuas de Afrodite inspiraram muitas cópias romanas, também belíssimas, que nos instigam a querer conhecer o original de Praxíteles. Há lendas de que os homens se apaixonavam por elas, de reis que em vão ofereciam suas fortunas à cidade para tê-las!

O que chama tanta atenção em nossos dias nessas obras de mais de 2400 anos? Por que permanecem tão admiradas, despertam curiosidade e interesse? Talvez a resposta esteja na necessidade eterna do ser humano de auto-conhecimento, e elas permaneçam atuais por sua investigação do que é essencialmente belo em cada um de nós.

A Grécia já foi chamada inúmeras vezes de “berço da civilização ocidental”, pois seu legado histórico influenciou de tal modo as concepções de arte, filosofia, matemática, política, entre outras áreas do conhecimento, que não se pode conceber como seria nosso mundo atual sem as suas influências. E apesar de poucas obras de arte originais terem chegado até nós, forçosamente perceberemos que suas idéias se propagaram por toda parte, e podem ser vislumbradas em nosso dia-a-dia.

O aperfeiçoamento da técnica era caro aos artistas gregos, para quem o conhecimento dos materiais e a maestria em seu domínio refletiam a perícia e a habilidade de dar è pedra dura e perene um caráter transcendente, em que ela não era mais pedra, mas a própria imagem representada.

Para os gregos, a arte é uma forma de conhecimento do mundo, e essa visão é o legado que deixaram às gerações posteriores. Assim como o filósofo chega à verdade através do exercício do pensamento, os artistas gregos – que até então eram tidos como artesãos, “technites” – chegam à verdade através da representação. A partir de então o status do artista muda, ele adquire prestígio social, porque sabe fazer algo que os outros não sabem.

Através de sua observação da natureza e da compreensão daquilo que lhe é permanente – a proporção, a geometria – os gregos passam a buscar a harmonia e a verossimilhança com a realidade. O escultor preocupa-se com a textura da pele, a anatomia do corpo, o movimento retesando os músculos, a cor dos olhos.

Na temática da rica mitologia grega, a escultura adquire um caráter narrativo, feito para educar quem as contempla sobre os valores da sociedade. Os gregos foram o primeiro povo a elevar o caráter da figura, dando-lhe o mesmo status da palavra.
Pensando sobre a arte grega, e como ela se relaciona à arte-educação em nossos dias, eu quis refletir sobre a escultura “Hermes e Dionísio”, de Praxíteles, uma das poucas obras originais que chegaram aos nossos dias.

Por que escrever sobre desta obra, que já foi objeto de estudo por séculos, a ponto de que dificilmente se poderá dizer algo de inédito sobre ela? Para ampliar minha própria compreensão e dizer minhas próprias palavras sobre sua importância. E para pensar nas possibilidades de um trabalho educativo com crianças e jovens, desenvolvendo a apreciação estética, percebendo as possibilidades de interpretação e sua relação com a arte e o mundo atual.

Também a figura de Praxíteles, cuja fama chegou até nossos dias, é instigante e curiosa; Ateniense, filho de Cephysodotus, também escultor, foi o escultor mais reconhecido no século IV a.C, alcançou riqueza e glória. Dizem que tinha o hábito de dar presentes caros aos amigos. Uma das histórias curiosas sobre ele, contada por Cícero, diz respeito a sua modelo e amante, Phynes, que também posava para outros artistas. Acusada de impiedade, foi trazida à corte, e teve suas roupas puxadas pelo seu defensor, que mostrou ao júri seus magníficos seios. Após uma brilhante defesa, ela foi perdoada.

Praxíteles inovou em suas obras ao criar esculturas que podiam ser vistas por todos os ângulos, polindo o mármore para dar-lhe uma textura aveludada semelhante à pele, fazendo uso da luz e da sombra e criando a primeira estátua de nu feminino em tamanho real, a Afrodite de Cnidos, que tinha a novidade de ser radicalmente diferente do corpo masculino. Ele criou uma composição que ficou conhecida como a “curva de Praxíteles”, que foi muito imitada no período helenístico. Essa composição pode ser vista na escultura Hermes e Dionísio, à qual dá um movimento de graça e naturalidade.

Esta escultura em mármore, descoberta em Olympia em 1877, representa Hermes, mensageiro dos deuses, segurando Dionísio, deus das festas e do vinho, ainda criança, carregando-o afetuosamente. O braço direito, que se perdeu, trazia um cacho de uvas que Hermes oferece a Dionísio, para despertar sua curiosidade.

A figura de Hermes domina a composição. Seu corpo esguio deixa transparecer no mármore a musculatura em movimento, a textura da pele, a placidez do olhar, o gesto da mão que segura o deus-menino. O pé esquerdo levemente erguido e o tronco suavemente arqueado para a esquerda traduzem com leveza o que seria um momento de descontração. As feições são suaves, sem traduzirem uma emoção explícita, e evocam o ideal de beleza, perfeição e equilíbrio típicos da arte grega no período clássico.


Segundo Gombrich, é errôneo pensar que Praxíteles e outros escultores gregos criassem a perfeição através da observação de muitos corpos, dos quais descartavam qualquer característica que os desagradasse, fazendo uma cópia aperfeiçoada do real e idealizada da natureza. Gombrich chama nossa atenção para o caráter humano das esculturas, como se pudessem mesmo respirar, e atribui essa humanidade das esculturas ao delicado equilíbrio alcançado pelos artistas gregos entre o típico e o individual, “como seres humanos de verdade, mas ao mesmo tempo, como seres humanos de um mundo diferente e melhor”. A mímesis constituía não apenas em uma imitação da natureza, mas em uma representação daquilo que ela tem de permanente. É a idéia de homem, o conceito, mais que um homem específico que se quer representar.

Contudo, levará ainda algum tempo para que a arte grega passe a esculpir as características pessoais de um indivíduo no mármore. Para Praxíteles ainda não se colocava a possibilidade da escultura como retrato.

Dionísio, por sua vez, estende o braço na direção das uvas e ergue o olhar levemente para o alto, como que ansioso para alcançá-las. De seu corpo pende um drapejamento que prossegue até a base da escultura, feito para contrabalancear o peso do braço estendido de Hermes, agora perdido, dando equilíbrio à estátua. Dinísio parece um adulto em miniatura, pois Praxíteles ao esculpi-lo aplicou as mesmas proporções deu um corpo adulto. É interessante notar que muitos observadores leigos valorizam nas estátuas gregas sua aparência de realidade, sua verossimilhança com a natureza. Ao observar Dionísio podemos questionar se esse era, de fato, um objetivo do artista. Praxíteles, cuja habilidade fica evidente no conjunto dessa obra, poderia ter representado um bebê rechonchudo se assim o desejasse. Seu Dionísio não se parece com uma criança pequena real porque assim o escultor desejava.

O conjunto da escultura é harmônico, gracioso. Os dois personagens olham um em direção ao outro, criando um cenário de afetuosidade. Não há um elemento explicitamente divino: ao retratar os deuses em uma passagem mítica, Praxíteles os identifica com os homens. Belos, harmoniosos, serenos, mas ainda assim humanizados. É de se imaginar o efeito que esse tipo de representação causava em seus contemporâneos, ao mesmo tempo que, conhecendo a mitologia grega, sabemos das paixões, das ações e do caráter mundano dos deuses.

E é justamente pelas histórias dos deuses e deusas que eu proporia uma aproximação das crianças com a arte grega. Pensando em meu contexto de atuação – a educação infantil e os primeiros anos do ensino fundamental – faz muito sentido propor às crianças o conhecimento dos mitos que formaram a base do pensamento ocidental, identificando familiaridades com o que vivem em seu dia-a dia.

Partindo da leitura da obra “Hermes e Dionísio”, poderia-se propor às crianças que pesquisassem nos livros da escola, na internet e em casa, histórias da mitologia grega e, a partir dessa pesquisa, introduzir outras obras e suas histórias, tais como Laocoonte e Athena Partenon, de Fídias. Poder-se ia também montar uma linha do tempo marcando os principais eventos que as crianças conhecem (tais como a existência dos dinossauros, o surgimento dos homens das cavernas, o nascimento de Jesus, o tempo dos castelos medievais, os dias atuais, etc) e nessa linha contextualizar o período de produção das obras, formando uma noção temporal e histórica.

A partir dessa introdução poderíamos programar momentos de leitura de alguns mitos gregos, tais como: Ìcaro, Narciso, Posseidon, Atena, Afrodite, Ártemis, Perseu e Medusa, Heracles, Os Argonautas, entre outros. As crianças identificarão personagens com os quais já têm contato através de desenhos animados e filmes infantis, percebendo qual é a origem desses personagens.

Em momentos de apreciação de fotos das obras podemos discutir as formas, cores, materiais empregados, modo de produção, e exercitar com as crianças a escultura em pedaços de mármore (que seria bastante duro e difícil para elas) e em tijolo (mais mole e poroso), para que percebam que o modo de produção das esculturas gregas difere do que estão habituados na escola, pois retira materiais ao invés de acrescentá-los (como ocorre com a modelagem em argila ou massa de modelar), além de conhecerem os desafios que o material coloca ao artista.

São muitas as possibilidades de trabalho que permitam às crianças conhecer e apreciar a arte ao longo do tempo. Conhecer a arte grega antiga é indispensável para a compreensão da arte como um todo e da cultura ocidental até hoje.

Referências:
Durando, Furio. A Grécia Antiga. Coleção Grandes Civilizações do Passado. Barcelona, Ediciones Folio.
Gombrich, Ernst. A História da Arte. LCT Editora
Museu do Louvre, visita virtual à exposição: http://mini-site.louvre.fr/praxitele/index_flash_en.html
Grécia Antiga: http://greciantiga.org/art/
Indicações de Leitura para as crianças:
Lobato, Monteiro. O Minotauro. Brasiliense
Lobato, Monteiro. Os Doze Trabalhos de Hércules. Brasiliense.
Figueiredo. Lenita Miranda. História da Arte para Crianças. São Paulo, Pioneira.
Pouzadoux, Claude. Contos e Lendas da Mitologia Grega. São Paulo, Companhia das Letras.
Bernardino, Adriana. A Beleza de Narciso. FTD.
Bernardino, Adriana. O Sonho de Ícaro. FTD.

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