sábado, 17 de janeiro de 2009

Como Brasília perdeu uma prostituta.. .

Recebi da Rede Cultura Infância o texto abaixo, que compartilho aqui no blog porque respeito muito o trabalho da Casa do Zezinho. Creio que, como outras ONGs que divulgamos aqui no Arteirinhos, essa presença é o que faz diferença na vida das pessoas alcançadas pelo trabalho social, cultural e educativo desenvolvido, como mostra a história abaixo.
Abraços,
Selma Moura

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O papel do educador(a) exercido com sutil inteligência.

Como Brasília perdeu uma prostituta...


Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
fonte: Folha de São Paulo

A educadora Dagmar Garroux preparou uma de suas alunas para ser prostituta. Mas não
qualquer prostituta -seria treinada para circular pelos bastidores de Brasília. Além de etiqueta, aprenderia a falar bem português e se viraria no inglês ou espanhol. Com aulas de artes, história e atualidades, ela conseguiria manter uma conversa em recepções. "O treino funcionou", orgulha-se Dagmar. Funcionou tão bem que Brasília
perdeu uma prostituta.

A menina, estimulada com a chance de ser prostituta em Brasília, morava na favela do
Parque Santo Antônio, localizada no chamado "triângulo da morte", na zona sul da cidade de São Paulo. No "triângulo" existe o cemitério São Luiz, que, conta-se, é o lugar onde estariam enterrados mais adolescentes por metro quadrado no mundo.

Dagmar criou, ali, um centro educacional batizado de Casa do Zezinho - o nome é inspirado na poesia "E agora, José?", de Carlos Drummond de Andrade. Uma das
freqüentadoras da casa era a menina, que começou a vender o corpo, na fronteira da
adolescência, agenciada por um rapaz mais velho da escola pública em que estudava. Dividiam pela metade o valor de cada programa (R$ 10).

A garota não gostou da intromissão da educadora. "Não se mete, não. Você nunca pensou em se vender para ganhar dinheiro?", perguntou, agressiva. Ela era
conhecida pela violência, metia-se em brigas. Quase sempre andava com uma faca.

Dagmar suspeitou de que corria o risco de perder a aluna, desfeito o já frágil laço
afetivo. Decidiu entrar no jogo. Disse que nunca quis vender o corpo. Mas, se quisesse, não iria aceitar mixaria. "Eu iria cobrar no mínimo R$ 1.000. Isso
no começo, depois aumentaria o preço."

A aluna arregalou os olhos e ouviu a improvável proposta: "Por que você não se prepara para ser puta em Brasília? Você ganha dinheiro e se aposenta". Com
aquele corpo e a bagagem intelectual, acrescentou, certamente iria surgir um marido
rico.

No dia seguinte, a garota voltou, animada com a proposta. "Topo", disse. Dagmar ponderou que ela deveria, então, se preparar. Para começo de conversa,
deveria se cuidar para que aumentasse a disputa dos clientes.

Precisaria, assim, parar imediatamente de estragar seu corpo com os homens da favela.
"Você quer chegar a Brasília com a mercadoria velha?" Dagmar convenceu-a de que, além do corpo atraente, precisaria mostrar cultura e saber falar. Um tanto a
contragosto, mas de olho nas recompensas futuras, aceitou as aulas.

Com as aulas, vieram reflexões sobre autonomia e responsabilidade; a auto-estima era
trabalhada em projetos de arte e comunicação. Certo dia, ela fez um comentário sobre os dentes de Dagmar. "Parece que você tem uma boca de cavalo." E brincou: "Se eu fosse dentista, eu consertaria a sua boca".

O apoio explicou por que, embora sem intenção, a menina apresentasse melhor desempenho escolar. A trajetória teve momentos de crise: como já não faturava
com a prostituição, a garota passou a vender drogas. Dagmar voltou a argumentar que, se fosse mesmo vender drogas, deveria se tornar chefe e, aí, precisaria continuar os
estudos para entender contabilidade. O inglês seria útil para transações internacionais.

Como era inteligente, a menina prosperava cada vez mais rapidamente na escola. À medida que ficava mais velha, prestava mais atenção no que acontecia em sua
comunidade com quem se envolvia com as drogas e a prostituição - bem ao seu lado estava o pedagógico cemitério São Luiz.

Ela chegou a concluir o ensino médio e suspeitou que talvez pudesse prosseguir. Por
motivos óbvios, não posso revelar o nome da aluna: "Ainda sinto muita vergonha",
justifica. Fez um cursinho pré-vestibular gratuito e entrou na USP.
Formou-se em odontologia - e agora vive consertando bocas.

PS: A ex-futura-prostituta de Brasília é um dos casos que passaram pela Casa do Zezinho, uma experiência relatada agora pelo educador Celso Antunes no livro
"A Pedagogia do Cuidado", a ser lançado neste mês. Ele detalha o que existe de teorias pedagógicas por trás dos exemplos. Se os gestores municipais agora eleitos quiserem fazer cidades melhores, terão de aprender as magias que podem ser feitas quando existirem bons educadores, mesmo num "triângulo da morte".

É mais uma ilustração do que sempre digo: educar é ensinar o encanto da possibilidade. Um dos seus projetos é transformar aquele simbólico cemitério São Luiz, com o recorde de covas de adolescentes, numa galeria de arte, com os muros externos pintados -as obras, claro, serão feitas por adolescentes. Por esse tipo de experiência, Dagmar vai dar aula, na próxima semana, num curso de gestão da Fundação Vanzolini, da Poli.

Conheça a ONG Casa do Zezinho: http://www.casadozezinho.org.br/

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